(Imagem do Google)
Por Geraldo Lima
Quando
se fala de narrativa curta, vem sempre à nossa lembrança o famoso miniconto do
guatemalteco Augusto Monterroso: “Quando acordou o dinossauro ainda estava
lá”. É, sem dúvida, um caso espantoso de
síntese e expressividade. É essa capacidade de construir um universo de
significação intensa em poucas linhas que caracteriza o miniconto. Construir e
deixar os vazios para que o leitor os preencha.
“No miniconto, muito mais importante que mostrar é sugerir, deixando ao
leitor a tarefa de ‘preencher’ as elipses narrativas e entender a história por
trás da história escrita”, informa-nos a Wikipédia. Dessa maneira, mais do que qualquer outro
texto narrativo, o miniconto exige do leitor uma coparticipação efetiva na
construção final da história.
Talvez
não seja consenso, mas gosto de distinguir miniconto de microconto ou
nanoconto. Para mim, o miniconto ainda comporta um número maior de palavras, de
linhas ou de páginas. Nele seria ainda possível descrever um pouco mais a
situação narrada. Já no microconto ou nanoconto, eliminam-se ao máximo as
informações sobre espaço, tempo, personagem e assunto. Cabe ao leitor, num grau
mais intenso de coparticipação, imaginar o restante das informações ou da
história. O texto de Augusto Monterroso é, para mim, o exemplo clássico do
microconto. E é interessante perceber como esse tipo de texto curtíssimo se
adapta muito bem às exigências de síntese, por exemplo, do twitter. Seguindo
essa lógica, venho compondo, há alguns meses, micronarrativas (a série Lascas)
para serem publicadas, primeiramente, nessa rede social. Algumas são compostas,
diretamente, no microblog, obrigando-me eliminar, sistematicamente, os
excessos. Eis uma das Lascas: Disse que não, que gritaria, mas depois gemeu, chamando-o de meu amor.
O exercício de síntese e de busca de máxima significação que se exige do autor,
nesse caso, é muito grande.
Outros escritores famosos escreveram também micronarrativas,
como é o caso do estadunidense Ernest Hemingway, que nos legou esta pérola: “Vende-se: sapatos de bebê, sem uso” (For sale: baby shoes, never Worn). No Brasil, Dalton
Trevisan tornou-se um mestre na criação de micronarrativas, tanto que o seu
livro Ah é? (Editora Record, 1994) é
tido como o marco da produção de microcontos, na sua configuração
contemporânea, em terras tupiniquins. Marcelino Freire, em 2004, reuniu um time
de escritores e os desafiou a escrever uma narrativa com no máximo 50 letras. O
resultado desse desafio foi a publicação, em 2004, da coletânea Os cem menores contos brasileiros do século,
pela Ateliê Editorial. Embora muitos
possam não concordar, coloco alguns poemas-minuto ou poemas-piada de Oswald de
Andrade e alguns poemas mais narrativos de Manuel Bandeira (“Poema tirado de
uma notícia de jornal” seria um deles) como exemplos de microcontos entre nós.
Cito este poema de Oswald para que o leitor concorde ou não comigo:
O medroso
A assombração apagou a
candeia
Depois no escuro veio
com a mão
Pertinho dele
Ver se o coração ainda
batia.
A
intenção do autor, obviamente, foi compor um poema dentro das diretrizes
modernistas, rompendo com o estilo clássico, parnasiano. O tom coloquial e
narrativo, no entanto, dão-nos a ideia clara de estarmos lendo uma narrativa
curta. Nesse caso, a fronteira entre os gêneros praticamente desaparece.
Mais
do que nunca a produção de micronarrativas tem crescido entre os autores
brasileiros, ora dando realce ao humor, ora ao drama. Novos talentos têm
surgido a cada ano, o que levou, inclusive, o escritor Wilson Gorj a criar o
selo 3 x 4 (incorporado pela Editora
Multifoco), destinado a publicar, principalmente, microcontos. Hoje, Gorj continua publicando autores de micronarrativas na Editora Penalux. O blog O BULE, seguindo essa
tendência, preparou, enquanto esteve ativo, um Especial
de Micronarrativas com alguns escritores que têm focado sua produção nessa
área, são eles: Wilson Gorj, Felipe Valério, Angela Schnoor, Hélverton Baiano,
Ana Mello, Tiago Moralles, Raphael Gancz e Chico Pascoal. Em 2012, o Jornal Opção, em Goiânia, publicou, na sua edição 1909, o especial 30 Contos de até 100 caracteres.
Aos
poucos esse gênero literário vai ocupando seu espaço. Se ele será alçado ao patamar da grande literatura,
só o tempo nos dirá. Por enquanto, encontrou nas novas tecnologias o suporte
ideal e vai se disseminando.
(Este texto foi publicado, originalmente, no blog O Bule)